Não eram botinhas fofas e quentes como sacos de dormir. Eram uns elegantérrimos sapatos azuis, saltos de agulha e boa pelica. Os primeiros sapatos de salto, "á senhora", de uma das minhas irmãs mais velhas, a segunda na hierarquia, a primeira a atingir esse grau. Coisas dos tempos. Todas olhávamos para eles como a Cinderella deve ter olhado aqueles outros. A propriétária babava-se, morria por eles, pela sua beleza e pelo novo estatuto. A minha brincalhona gata também. Como censurá-la por um sentimento, pelos vistos, generalizado?! Tanto, que a descarada se embrulhou neles, se enfiou neles, saltou neles, mordeu, sapateou, viveu e exultou neles. Não por muito tempo, mas o suficiente para deixar na suave pelica as estrias profundas das afiadas unhas. A minha irmã deu com eles já tarde. Ainda assim, pegou- lhes, em lágrimas e raiva, e foi colocá-los em porto mais seguro. Com ela zangou-se, julgo que sem perdão, para sempre.
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